sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Tem Superação Dançando Samba


O rapaz da foto ao lado, eu o conheci quando ele estava com 15 ou 16 anos. Após um episódio muito traumático - presenciou o assassinato de alguém que amava - começou a ficar estranho. Quando internou na enfermaria psiquiátrica não entendíamos uma frase sequer do que ele tentava nos dizer. Com o tratamento melhorou muito, mas aos 18 anos começou a usar drogas e a vida degringolou de novo ...

Lembro-me do quanto discutimos seu caso e como era desafiante conseguir ajudá-lo. Ele acreditava que ao olhar para as mulheres, elas se apaixonavam por ele e engravidavam. Dizia ter muitos filhos. O desejo de levar leite e fraldas para esses bebês delirantes foi o que sustentou seu tratamento. Ele voltava para pegar fraldas e com isso aceitava a medicação, o atendimento, o cuidado...

Muito tempo se passou, fui embora para viver a experiência que conto em outra postagem. Quase dois anos depois voltei. O rapaz seguiu em tratamento. Nessa volta ele me encontrou. Muito doente de novo, agudizado, várias internações psiquiátricas na bagagem. Pergunto o que havia acontecido com ele. O rapaz me olha e diz: vc sumiu!

Bem, havia reaparecido e voltei a cuidar dele. Vinha para os atendimentos todo vestido de vermelho. Encarnava a Pombagira! Busquei a parceria de um Serviço de Atenção Diária. Uma Assistente Social e uma Psicóloga assumiram o trabalho. Fundamentais elas foram e são no caso!

Ele foi melhorando de novo. E pensar que foi considerado um caso perdido. Muitas pessoas não conseguiram perceber a ternura de seu olhar, a bondade por detrás de suas atitudes e o sofrimento de sua história. O rapaz tem um sorriso fenomenal e uma vontade de viver contagiante. É preciso entender que existe um sujeito na loucura para que tudo isso possa ser percebido.

Semana passada fui vê-lo se apresentar num show. Sim, é isso mesmo, hoje ele faz parte de uma banda performática e dança samba melhor do que muito malandro. Lindo, lindo. Que ginga tem o rapaz! A foto tirei com meu celular um pouco antes do show. E, além disso, ele está trabalhando. Falamos muito sobre como ele está feliz em ser trabalhador e artista.

O rapaz, um dia considerado caso perdido, ainda luta muito com sua doença, mas esta já não responde por tudo aquilo que ele é. O rapaz é muito mais do que um doente mental. É um filho preocupado com sua mãe e irmãos, um trabalhador e dançarino.

Sua bela negritute esguia sambando magistralmente no palco emociona e parece gritar para quem quiser ouvir: perdidos são todos aqueles que desistiram de acreditar em mim!

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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Dê Flores ao Estigma

O gineceu é o órgão feminino da flor. Constitui-se de um ou mais carpelos. Os carpelos são folhas modificadas e possuem estigma, estilete e ovário. O estigma é a parte achatada do carpelo, situada na sua extremidade superior e possui um líquido pegajoso que contribui para a fixação do grão de pólen. Quando uma abelha pousa em uma flor em busca de néctar, muitos grãos de pólen colam-se em seu corpo. Ao pousar em outra flor, o inseto leva os grãos de pólen que caem sobre o estigma dessa flor e ficam colados nele. Ali o grão de pólen sofre modificações. Forma o chamado tubo polínico que penetra no estilete e atinge o ovário. O núcleo reprodutivo ou gerador divide-se em dois, dando origem a gametas masculinos. Um dos gametas masculinos vai unir-se à oosfera do óvulo. Dessa união origina-se o zigoto que, juntamente com as outras partes do óvulo, se desenvolve formando a semente.

Portanto, para as flores, estigma faz parte do processo de vida, reprodução e geração de beleza.

Já, para os humanos ... Estigma significa horror, rejeição, discriminação. Segundo Erving Goffman os estigmatizados são indivíduos com deformações físicas, psíquicas ou com qualquer outra característica que os torne aos olhos dos outros diferentes e até inferiores. Esses indivíduos lutam cotidianamente em busca de aceitação, para fortalecer e até construir uma identidade social.

Como pode uma mesma palavra significar algo tão diferente? Um estigma gera flor e o outro gera dor. Quem sabe, algum dia, o significado do estigma das flores possa impregnar de flor e suavizar o estigma dos homens.

Meu blog é uma das minhas abelhas nessa polinização.


domingo, 16 de novembro de 2008

Vivendo a Diferença





De agosto de 2005 ao final de 2006, eu vivi nos EUA através do Hubert H. Humphrey Fellowship Program, um programa financiado pela Fulbright. Lá partilhei meu cotidiano com pessoas de vários países: Ucrânia, Rússia, Índia, Tanzânia, Nigéria, Kosovo, São Salvador, Egito, Síria, Palestina, além dos americanos como a Nancy, o Steve, a Dale -minha amiga e Presidente do People Encouraging People (PEP), organização de Saúde Mental na qual trabalhei e tantos outros. Uma experiência inesquecível que me fez vivenciar, de forma muito intensa, outras culturas, histórias, tradições e perceber que apesar de tantas diferenças , somos muito mais iguais que diferentes. Somos todos gente, vivendo a dor e a delícia de sermos humanos!




















Nosso livro

SOU ESPECIAL E ESTOU NA ESCOLA, E AGORA?
Educação inclusiva de crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais


Esse é o livro que escrevi com Maria Alice e Luciane. Ele fala sobre como ampliar o acesso à educação inclusiva – uma criança especial numa turma regular – é uma proposta em ação e um grande desafio. As crianças e adolescentes que apresentam quadros de deficiência mental, autismo ou transtornos mentais são muito singulares e precisam que suas peculiaridades sejam reconhecidas e atendidas. Isso exige dos professores e de seus auxiliares um trabalho muito específico. O livro traz orientações importantes para os familiares e, principalmente, para esses fundamentais agentes da inclusão: os professores da educação inclusiva.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Salud Cuidados - www.salud-cuidados.com


A Salud- Cuidados é a empresa que tenho com três sócios. Realizamos projetos de inclusão social. Dentre eles estão moradias assistidas, nas quais vivem pessoas com necessidades especiais totalmente integradas à sociedade. A casa é uma moradia como a sua, não é uma clínica e o cuidado é garantido por cuidadores. Nossos moradores estão muito felizes e suas famílias tranquilas. As fotos falam por si!
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quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Projeto GT

Pessoas que sofrem com doença mental podem trabalhar no mercado formal e com carteira assinada. O Projeto Gerência de Trabalho (GT)conduzido pela equipe do Instituto Municipal Nise da Silveira, do qual sou Vice Diretora prova isso. Baseado no Programa Supported Employment em curso nos EUA há mais de vinte anos, criamos o Projeto GT no Nise. Edmar, nosso Diretor, comprou a idéia e nos deu carta branca para colocá-la em prática. Conseguimos uma forte parceria com os Supermercados Prezunic. O Projeto é coordenado pela Ana Cecília que já colocou muita gente para trabalhar. Vejam as fotos!

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Em defesa do respeito à diferença

Como Psiquiatra militante da Reforma Psiquiátrica, acredito em combater o estigma contra a doença mental, afirmando que a doença gera sofrimento, pode ter controle e tem um lado fascinante... Para ajudar numa oficina de atores que serão selecionados para atuar como pessoas com doença mental, escrevi o seguinte texto:

O que é Esquizofrenia?
Nesse pequeno texto dirigido a atores ousarei começar a explicar esquizofrenia, de uma forma bem diferente das usuais explicações científicas. Antes de tudo esquizofrenia é doença e sofrimento. Depois de tudo é um fascinante universo.
É hoje encarada não como uma doença única, mas sim como um grupo de patologias. Não escolhe classes sociais e grupos humanos. Só é possível entender o universo das esquizofrenias com muita empatia em relação às emoções e vivências do sujeito em sofrimento psicótico.
Imagine-se com aquela sensação de medo que surge quando paramos no sinal de madrugada, nas ruas do violento e lindo Rio de Janeiro. Agora siga imaginando-se com essa sensação durante todos os minutos do seu dia. Imagine-se com aquela vergonha que sentimos quando somos flagrados, por exemplo, com o dente sujo naquela importante leitura de texto logo após o almoço. Agora siga imaginando-se com essa sensação a todo momento, com a certeza de que as pessoas o observam, podem ver tudo o que você faz e monitoram todos os seus atos. Imagine-se ouvindo alguém chamar o seu nome, olhando em volta e não vendo ninguém como acontece conosco de vez em quando. Siga imaginado que você continuará ouvindo vozes, todo dia, hora e minuto e que você não sabe de onde elas vêm. Agora imagine-se naquele evento chato pensando o quanto você gostaria de estar em casa, debaixo das cobertas e não ali aturando o nada inteligente e piadista sem graça do diretor da sua companhia teatral. Agora imagine acreditar que todos os demais, inclusive seu diretor, podem ler seus pensamentos!
Essas sensações de nosso dia a dia, vividas numa muito maior intensidade, são algumas das sensações experenciadas pelo sujeito que sofre com a doença mental chamada esquizofrenia. A doença se caracteriza classicamente por uma coleção de sintomas, tais como alterações do pensamento, alucinações (auditivas, visuais, olfativas, mais raramente e outras) delírios, perda de contato com a realidade, podendo causar uma quebra radical do laço social. A sua prevalência atinge 1% da população mundial, manifestando-se habitualmente entre os 15 e os 25 anos, nos homens e nas mulheres, podendo igualmente ocorrer na infância ou na meia-idade.
As esquizofrenias têm tratamento e o sujeito pode se recuperar, muito embora cura no sentido estrito da medicina ainda não seja possível. Temos o controle da doença e o tratamento visa empoderar o sujeito psicótico para que ele possa lidar melhor com seus sintomas. Medicação, psicoterapia, oficinas terapêuticas, projetos de trabalho e geração de renda, música, arte e lazer são alguns dos elementos que se preconiza hoje para o atendimento das pessoas com esquizofrenia. Desde a década de 80, o Brasil realiza a Reforma Psiquiátrica que nega a exclusão determinada pelos hospícios e propõe o tratamento dos doentes mentais na comunidade. Assim desejamos fazer uma intervenção na cultura, para que um dia possamos enfraquecer o ainda forte estigma contra o doente mental.
Como diz um amigo artista e psiquiatra – Lula Vanderlei – parafraseando Caetano Veloso: Se de perto ninguém é normal, de perto ninguém também é louco todo dia. O louco pode ficar dentro da aceita normalidade. Pode trabalhar, casar, namorar, dançar, cantar. Muitos loucos são artistas e grandes artistas. Em tratamento, a crise aguda psicótica tende a ser melhor manejada e a remitir mais rapidamente. Cada caso é um caso, mas todo psicótico é um cidadão e tem os mesmos direitos e deveres de todos nós.
Para finalizar, esquizofrenia é doença mental, sofrimento, esfacelamento, recuperação, encanto e fascínio. Cabe superarmos nossos preconceitos e assim garantir ao louco a chance de mostrar suas potencialidades e ocupar o seu lugar na sociedade.