quinta-feira, 19 de março de 2009

Maldade não é Loucura


Coisa difícil é conseguir que o grande público diferencie perversão de loucura. Uma amiga me ligou outro dia para falar disso. A novela tem ajudado muito quando coloca um personagem psicopata, a Ivone e dois personagens esquizofrênicos, o Tarso e o Ademir. Dá para ver a diferença.

Contudo, no caso do Monstro da Áustria, a situação fica complexa quando a sentença de prisão perpétua deverá ser cumprida em uma instituição psiquiátrica. Esse homem que enclausurou a própria filha para submetê-la aos seus desejos e caprichos; que deixou um filho-neto morrer; que conseguiu burlar tudo e todos, talvez com a conivência da esposa, e teve sucesso em manter um confinamento por mais de duas décadas... Esse homem tem uma enorme capacidade de dissimulação, é pragmático, racional, sistemático, organizado, extremamente hábil e ignora a dor dos outros. Esse homem não é louco. Ele é mau, é perverso. Um psicótico não tem essa capacidade de articulação e pragmatismo, exatamente porque no momento da loucura ele está fora de si, dominado por sintomas. Muito difícil é que um louco consiga não mostrar que está louco. Uma psiquiatra que avaliou Josef Fritzl depôs sobre seu comportamento violento e perverso e não atestou doença mental. Ainda assim, esse homem irá cumprir pena numa instituição para doentes mentais.

O Monstro da Áustria não é um monstro, ele é um ser humano. Ele é mau, mas é humano. Seres humanos como ele e tantos outros demonstram a existência de um potencial terrível na condição humana. Como Freud diz, a pulsão de mais difícil controle é a pulsão perversa ... A civilização serviu para o controle das pulsões. Hoje em dia estamos em crise no que diz respeito a isso. Na pós- modernidade, as pulsões perversas estão encontrando muito pouco freio. Desumanizar Josef Fritzl ou mandá-lo para uma instituição psiquiátrica reforçando um imaginário social que associa maldade à loucura em nada ajuda a humanidade a encontrar nele um exemplo que exige muita, mas muita reflexão!

domingo, 15 de março de 2009

Quando a Loucura Quebra a Dor


Hoje vivi um momento muito interessante e para mim especial. Um dos moradores do meu projeto de moradias assistidas, o D., ficou doente e acabou internado num CTI. Fui visitá-lo acompanhada de seu colega de casa, o A. Ele é esquizofrênico e um homem simpático, um bom pintor e adorável pessoa.
A. não pôde entrar no CTI. O horário de visita havia acabado. Só eu pude entrar, pois sou médica. Fiquei um certo tempo lá dentro. Quando entrei, a sala de espera estava repleta de pessoas entristecidas, afinal quem estava ali tinha alguém que ama num CTI. Vi pessoas com lágrimas nos olhos e rostos cansados. Quando sai o clima estava totalmente diferente ...
A. é um grande contador de histórias ... Ele ficou ali me esperando e contando histórias para as pessoas. Quando abri a porta do CTI ouvi risadas e isso me surpreendeu... Quando entramos no elevador A. me disse que resolveu alegrar as pessoas ... Na sua loucura A. fala com todo mundo, puxa assuntos, não tem vergonha. No meio de tanta tristeza, ele com suas histórias, desviou toda aquela gente de sua dor... Deu a elas algum motivo para sorrir... Ele mesmo me disse que uma moça que antes chorava, agradeceu-lhe por tê-la feito sorrir.Tão bonito ver que, por vezes, a loucura ajuda na produção de alegria... Sua falta de inibição, sua fala sem parar, suas histórias exageradas podem ter vários nomes técnicos num exame psicopatológico, mas ali seu jeito louco de ser não foi visto como doença, foi sentido como algo que interrompeu, por alguns minutos, o sofrimento de muita gente... A loucura também tem esse lado mágico; é preciso dar uma chance ao sujeito que enlouquece para transformar o que é devastador em suavidade. A. é um exemplo de como isso é possível.