quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Em defesa do respeito à diferença

Como Psiquiatra militante da Reforma Psiquiátrica, acredito em combater o estigma contra a doença mental, afirmando que a doença gera sofrimento, pode ter controle e tem um lado fascinante... Para ajudar numa oficina de atores que serão selecionados para atuar como pessoas com doença mental, escrevi o seguinte texto:

O que é Esquizofrenia?
Nesse pequeno texto dirigido a atores ousarei começar a explicar esquizofrenia, de uma forma bem diferente das usuais explicações científicas. Antes de tudo esquizofrenia é doença e sofrimento. Depois de tudo é um fascinante universo.
É hoje encarada não como uma doença única, mas sim como um grupo de patologias. Não escolhe classes sociais e grupos humanos. Só é possível entender o universo das esquizofrenias com muita empatia em relação às emoções e vivências do sujeito em sofrimento psicótico.
Imagine-se com aquela sensação de medo que surge quando paramos no sinal de madrugada, nas ruas do violento e lindo Rio de Janeiro. Agora siga imaginando-se com essa sensação durante todos os minutos do seu dia. Imagine-se com aquela vergonha que sentimos quando somos flagrados, por exemplo, com o dente sujo naquela importante leitura de texto logo após o almoço. Agora siga imaginando-se com essa sensação a todo momento, com a certeza de que as pessoas o observam, podem ver tudo o que você faz e monitoram todos os seus atos. Imagine-se ouvindo alguém chamar o seu nome, olhando em volta e não vendo ninguém como acontece conosco de vez em quando. Siga imaginado que você continuará ouvindo vozes, todo dia, hora e minuto e que você não sabe de onde elas vêm. Agora imagine-se naquele evento chato pensando o quanto você gostaria de estar em casa, debaixo das cobertas e não ali aturando o nada inteligente e piadista sem graça do diretor da sua companhia teatral. Agora imagine acreditar que todos os demais, inclusive seu diretor, podem ler seus pensamentos!
Essas sensações de nosso dia a dia, vividas numa muito maior intensidade, são algumas das sensações experenciadas pelo sujeito que sofre com a doença mental chamada esquizofrenia. A doença se caracteriza classicamente por uma coleção de sintomas, tais como alterações do pensamento, alucinações (auditivas, visuais, olfativas, mais raramente e outras) delírios, perda de contato com a realidade, podendo causar uma quebra radical do laço social. A sua prevalência atinge 1% da população mundial, manifestando-se habitualmente entre os 15 e os 25 anos, nos homens e nas mulheres, podendo igualmente ocorrer na infância ou na meia-idade.
As esquizofrenias têm tratamento e o sujeito pode se recuperar, muito embora cura no sentido estrito da medicina ainda não seja possível. Temos o controle da doença e o tratamento visa empoderar o sujeito psicótico para que ele possa lidar melhor com seus sintomas. Medicação, psicoterapia, oficinas terapêuticas, projetos de trabalho e geração de renda, música, arte e lazer são alguns dos elementos que se preconiza hoje para o atendimento das pessoas com esquizofrenia. Desde a década de 80, o Brasil realiza a Reforma Psiquiátrica que nega a exclusão determinada pelos hospícios e propõe o tratamento dos doentes mentais na comunidade. Assim desejamos fazer uma intervenção na cultura, para que um dia possamos enfraquecer o ainda forte estigma contra o doente mental.
Como diz um amigo artista e psiquiatra – Lula Vanderlei – parafraseando Caetano Veloso: Se de perto ninguém é normal, de perto ninguém também é louco todo dia. O louco pode ficar dentro da aceita normalidade. Pode trabalhar, casar, namorar, dançar, cantar. Muitos loucos são artistas e grandes artistas. Em tratamento, a crise aguda psicótica tende a ser melhor manejada e a remitir mais rapidamente. Cada caso é um caso, mas todo psicótico é um cidadão e tem os mesmos direitos e deveres de todos nós.
Para finalizar, esquizofrenia é doença mental, sofrimento, esfacelamento, recuperação, encanto e fascínio. Cabe superarmos nossos preconceitos e assim garantir ao louco a chance de mostrar suas potencialidades e ocupar o seu lugar na sociedade.

3 comentários:

Pod papo - Pod música disse...

Ótimo texto. Realmente as pessoas discriminam muito os portadores de doenças mentais, sendo que todo mundo está sujeito a ficar doente. Por isso temos que nos colocar no lugar das pessoas que têm doenças e perceber que todo mundo merece as mesmas coisas, todos têm os mesmos direitos.

Beijão!

Anônimo disse...

Rita diz:

Minha filha Patrícia:
Que orgulho sinto em saber que concebi um mulher tão humana, competente,totalmente inserida na profissão como você.
DEUS te abençoe e proteja agora e sempre.
Te amo!!!
Sua mãe

Anônimo disse...

Meu irmão foi diagnósticado como esquizofrênico aos 24 anos, hoje tem 43.Sempre foi muito amado,mas nunca aceitou tratamento. Já esteve internado, quando corria riso de vida, mas em clínicas inadequadas para ele. Foi para as drogas e o alcoolismo, creio que foram uma tentativa de evitar o sofrimento. Tem crises terríveis, quer matar as pessoas da família, que agora sou apenas eu: minha mãe sofreu demais e teve um câncer, meu pai foi-se dois anos após e meu irmão, que mora com a mulher em outra cidade, quer vir morar comigo. O último ato dele em relação a minha recusa, já que ele não aceita tratamento e chegou em minha casa bêbado e violento, foi quebrar uma porta de vidro, na entrada de meu prédio: quase morri de tanto susto. Desde então não o vi mais e para piorar as coisas, ele perdeu o benefício do inss, pois faltou à perícia.

E aí, o que posso fazer? Ele precisa de internação, mas não tenho como pagar uma boa clínica, sem contar o fato que ele não aceita ser internado.Também não aceita acompanhamento em CAPs: conhece o trabalho e não aceita!

Não sei o que fazer.Se puder, ajudem-me com alguma orientação.
Ele se encontra num estado péssimo,mas eu também não tenho mais forças para aguentar tanto sofrimento.

Mudei meu nome, mas preciso muito de alguma orientação.

Obrigada.