domingo, 29 de novembro de 2009

Tudo se Resolve com Pílulas?


Como falei numa postagem abaixo, deixei de ser gestora num serviço público e voltei a ser apenas médica psiquiatra em um posto de saúde... Novos desafios se fazem nessa lida. Nunca deixei de atender pacientes, mesmo na gestão. Um bom gestor precisa saber de pacientes para efetivamente intervir na realidade. Assim, estar com pacientes sempre foi parte do meu labor diário... Agora só com eles, vivo a necessidade de promover mudanças mesmo sem o pequeno poder que me era antes delegado pelo cargo que ocupava... As mudanças que poderei promover dependerão apenas da minha capacidade de negociação com meus clientes.
Nos primeiros dias a angústia tomou conta de mim, pois via na maioria das pessoas que atendia os equívocos contra os quais sempre lutei enquanto gestora... Pacientes medicados sem necessidade, buscando na psiquiatria a resolução medicamentosa dos problemas cotidianos... Pessoas com os mesmos problemas há sete, dez, vinte anos e TOMANDO MEDICAÇÃO. Dinheiro público jogado fora, pois a medicação só faz a função de tamponar as questões e dar uma certa idéia de que existe a "pílula da felicidade".  Quando acaba o seu efeito está na hora de tomar a outra dose e assim vai...
Fico intrigada com meus colegas psiquiatras, alguns com bons relatos nos prontuários, pareciam ter escutado os pacientes, mas se resignavam diante de seus discursos de que depois de tanto tempo já não podiam viver sem medicação... Essa resignação produz cronificação e uma legião de dependentes químicos de benzodiazepínicos nos ambulatórios públicos... A gestora que ainda há em mim urge por mudanças embalada pelo compromisso da psiquiatra que quer proporcionar um tratamento efetivo para aquelas pessoas... Estou no começo, mas já conseguimos organizar um grupo terapêutico para os pacientes medicalizados há longa data... Alguns reclamam... Com muita conversa, aceitam a proposta...
Lembro-me da Sra V que veio para a consulta acompanhada do marido. Há mais ou menos oito anos usa imipramina e clonazepan. Muito bem arrumada, unhas feitas, cabelos alinhados não vi nela traços de depressão ou distúrbio de ansiedade que justificassem o uso do remédio. Contou-me fatos tristes de sua vida, falou dos problemas em casa... Ainda assim, nada que caracterizasse ou que já tivesse caracterizado uma doença mental propriamente dita. Reagiu com raiva quando falei sobre redução gradual da medicação e entrada no grupo terapêutico. Como o marido me apoiou voltou-se contra ele e vociferou: Isso tudo Doutora tem a ver que esse bosta, que nem para aquilo serve, nem nunca serviu.  Estão casados há muitos e muitos anos... Contando essa história para o  meu amigo Edmar, também psiquiatra e piadista de carteirinha, ele me disse: Se era para dar remédio, a psiquiatria teria sido muito mais eficaz para a vida dessa senhora se tivesse dado viagra para o marido e não remédio para ela... Verdade verdadeira!! A pílula da felicidade não existe e dar remédio para resolver o que não pode ser resolvido com medicação não traz qualquer felicidade. A minha categoria profissional precisa acreditar mais nisso e assim promover tratamento de qualidade, com respeito ao dinheiro público!

Um comentário:

Anônimo disse...

Querida,mais um imenso desafio para você vencer!!Certamente, irá conseguir,pois para "vencer desafios você é vocacionada".
Breve teremos mais uma postagem relatando outras conquistas neste sentido.
Vá em frente "DOUTORA"!!!